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Um abraço que mudou tudo: o dia que fiz as pazes com o sistema de saúde do Canadá

Hoje eu vou abrir meu coração para vocês e contar um pouco como fiz as pazes com o sistema de saúde do Canadá. Eu nunca tive uma relação de total desgosto com a saúde canadense, mas nunca fui apaixonada por ela. Já pensei em escrever textos e textos sobre a minha opinião, mas acho o assunto tão polêmico e pessoal que nunca publiquei os textos. Mas este achei relevante, pois é bem pessoal e ninguém poderá questionar ou achar que minha opinião está errada; afinal, falo da MINHA experiência e do que aconteceu COMIGO. E ponto.

Minha história com o sistema de saúde canadense começou super bem em 2011, quando eu pedi indicação de uma médica de família para meu co-orientador do PhD (também médico) e ele me indicou uma ex-aluna que classificou com brilhante, e que até hoje é nossa médica de família (e é a médica do Thomas e do Ian também). Todas as consultas com ela sempre foram ótimas – e continuam sendo – e eu sempre considerei o sistema de saúde do Canadá muito bom. Eu não tenho o telefone pessoal dela mas sempre que ela recebe um report de algum outro médico (aqui você sempre tem a opção de mandar tudo que está acontecendo em outro médico para seu médico de família e eu sempre faço) liga pessoalmente para mim e quer se aprofundar da história. Aí eu fiquei grávida em 2012 e perdi o bebê. Fui sangrando para a emergência do hospital (com menos de 20 semanas de gestação é isso que você faz quando tem sangramentos) e após esperar algumas horas para ser atendida eu voltei para casa com um bebê morto na minha barriga. Desculpe a expressão forte mas foi isso que eles fizeram: me mandaram para casa naquele estado, sem se preocupar com meu psicológico e com o que aquilo representava para uma mulher e uma família. Eu lembro que fiquei mal, muito triste e certamente foram os piores dias da minha vida. Lembro do meu marido ligando para vários médicos e hospitais e insistindo que queríamos fazer uma curetagem assim que possível e “resolver” a situação. Depois de insistir conseguimos marcar o procedimento dali a 7 (longos) dias e tudo parecia resolvido. Até que em um exame de rotina mais ou menos 1 mês depois de curetagem o radiologista observou cicatrizes no meu útero e foi diagnosticado Asherman’s syndrome (i.e. adesões uterinas) provavelmente provenientes do médico que fez o procedimento sem muito cuidado – e nem sequer se apresentou para mim antes da cirurgia -, “limpando demais” meu útero. Em outras palavras, fez um péssimo trabalho e, adivinhem, lá vou eu para outra cirurgia.

Eu vou parar por aqui e não falar mais sobre esta experiência pois é dolorido lembrar. E não cabe falar de todos os problemas e todos os médicos impessoais que eu passei. Eu vou voltar a falar da minha médica de família. Eu sempre tive apoio dela e encaminhamento para todos os especialistas que necessitava e queria. Sempre. Inclusive foi ela que me encaminhou para minha médica de fertilidade que me ajudou ter o Thomas e o Ian. Mas em todas estas muitas consultas que fiz eu nunca me senti bem quista, eu nunca fui abraçada e tive meu coração aberto. Era como se toda a dor e a angústia que eu tivesse passando fossem normais e que no fim iria dar certo e ponto. As consultas que tive sempre foram rápidas, diretas e pouco pessoais. Sempre. E posso dizer que especialmente quando tive o Thomas: não lembro do nome e nem da cara da médica que o trouxe ao mundo. Sei que foi uma mulher e só. Ela apareceu na sala só na hora do push – antes eu ficava com uma enfermeira – e quase que me negou um cesária quando as coisas complicaram. Depois da cirurgia não veio no meu quarto e nunca mais a vi. Simples assim.

O sistema de saúde do Canadá é bom, não me levem a mal. Muita gente o condena mas ele funciona e eu já perdi a conta do número de vezes que o utilizei. Parando aqui para contar eu já fiz 7 cirurgias e já estive internada em pelo menos 3 hospitais. Então acredito que tenho um pouco de experiência para falar sobre ele. Ele funciona e é de qualidade. E quando você necessita você terá sim acesso aos profissionais que você precisa, especializados e com ótima tecnologia. Mas para que isso seja verdade o paciente (você!) não deve ser um ser passivo no sistema, deve ir atrás, ler, questionar, argumentar… não dá para chegar na consulta sem um papel com suas dúvidas, sem pesquisar antes sobre os seus sintomas, sem ler sobre sua condição. Acho que este é o grande segredo do sistema de saúde daqui. Mas mesmo assim, mesmo sendo uma paciente ativa e engajada, eu nunca tinha me sentido 100% satisfeita com o sistema de saúde do Canadá até ter o Ian, ou melhor, até a consulta de pós-parto dele.

Ficar internada no hospital por 2 meses me mudou. Eu me vi cercada de uma rede de cuidado na qual nunca tinha imaginado. Além da família (marido sendo pai e mãe pro Thomas, sogra mudando passagem par ficar aqui, mãe e pai chegando antes do previsto para me ajudar, irmã ligando diariamente no meio do agito do dia a dia para eu não me sentir sozinha, amigos me visitando e me trazendo alegria no meio da correria de suas vidas) os profissionais de saúde do hospital e, especialmente, o meu médico, me trataram de maneira “global”, isto é, focando na minha saúde e, especialmente, na minha pessoa e nas minhas necessidades como pessoa. Talvez seja difícil de entender mas ter o médico sentado na poltrona do meu quarto de hospital falando sobre a vida, perguntando a minha opinião sobre temas banais, era o que eu precisava. Sem me tratar como “mais um da lista” e sim “Gabriela”.

Durante minha internação eu fui a Gabriela e não “a paciente do quarto 307” e isso fez uma diferença enorme. Eu me senti bem acolhida pela primeira vez utilizando os serviços de saúde e isso foi importante para mim e para a minha recuperação. Durante a cirurgia de cesárea que trouxe o Ian ao mundo eu me senti bem, confortável e sem medo algum. O ambiente era leve e eu fui ouvida e respeitada. E o ápice desse processo de personalização foi na minha consulta de 40 dias após o parto (a foto que ilustra este post é do Ian no dia desta consulta), quando o médico sentou na minha frente e queria saber sobre o bebê e sobre esta nova experiência de ser mãe novamente, assim, sem pressa. Quando contei como me sentia – na nossa consulta de 40 minutos – e o quão agradecido eu era ele me perguntou se poderia me abraçar e eu disse que sim. E recebi um abraço que precisa a muitas anos atrás, um abraço de um profissional que se sensibilizava com minha história e estava feliz de tudo ter dado certo e que o melhor aconteceu. Aquele abraço vindo de um canadense me fez bem e me trouxe confiança novamente no sistema de saúde daqui. Uma confiança que eu precisava.

Hoje estou ótima, 100% recuperada e, mais importante, com o coração leve por ter sido cuidada de uma maneira tão especial. E o por quê deste post? É para mostrar que é possível sim e que o sistema de saúde do Canadá funciona e pode atender todas as suas necessidades e desejos. Pode ser que eu estive nas mãos das pessoas certas. Pode ser que eu tive sorte. Pode ser que foi porque eu fui uma paciente de risco. Não importa. O sistema de saúde funcionou. O sistema de saúde me abraçou. E eu tinha que vir contar isso para vocês.

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10 comentários em “Um abraço que mudou tudo: o dia que fiz as pazes com o sistema de saúde do Canadá”

  1. Obrigada por compartilhar, Gaby! Todos os profissionais de saúde deveriam ler esse texto, para conhecerem o poder do carinho, da atenção pessoal. Abraço grande

  2. Nossa Gaby, acho que esse sentimento eh universal. Funciona mas eh muito frio. A minha primeira gravidez e parto, tb n foram experiencias muito agradaveis. As consultas de 5min que eu tinha que escolher bem o que falar. Agora na segunda, apareceu um anjo no consultorio que eu ia e ela eh minha medica da familia agora. Toda vez que converso com ela eu choro de tao gentil e delicada que ela eh. Tb estou com diabetes gestacional e acho as enfermeiras e nutricionistas da clinica de diabetes um amor. As enfermeiras dos hospital onde eu vou p o NST tb. Enfim. Acho que vc tem toda razao. Eu fui muito passiva no primeiro filho e depois que passei por muitos problemas, mudei completamente minha posicao c o segundo. Obrigada por compartilhar sua história

  3. Que bom, Gaby.
    Nossa, não imagino essa espera de 7 dias. Que horrível. Sinto muito que tenha pssado por isso 🙁
    Eu tenho uma médica de família, mas sou atendida pelos resisdentes. Mas minha médica é maravilhosa, ela sempre pergunta se ja temos amigos, como está a adaptação, muito fofa.

    Eu tive problemas na recuperação do meu parto e me senti meio desamparada. Essa coisa de ter que esperar por consulta, não ter data..muito horrível. Mas isso pq estou acostumada com o Brasil, a ter plano de saúde e dinheiro pra, se necessário, encarar um médico particular. Sinto falta disso aqui. Me fizeram esperar 2 meses por uma consulta, e eu com dor, sem conseguir sentar e segurar meu filho direito no colo, chorando todos os dias. Tenho medo de ter algo grave. Meu filho agora está com um probleminha e só consegui vaga no SickKids pro meio de novembro, sendo que já estou esperando tem mais de um mês.

    Sinto que tudo demora muito e a gente fica sem saída.

  4. Que mulher foda que vc é e que sorte seus filhos têem! Mas Eu precisava ler esse texto, se tem um medo que tenho aqui ainda é de diagnostico tardio de qquer coisa, na verdade de precisar do OSAP pra qquer coisa, mas amei ler seu relato!

  5. Terminei o post emocionada. Ainda bem que existem pessoas sensíveis e que você pôde vivenciar esse momento difícil de uma maneira diferente. Beijos

  6. Pra variar, termino lendo seu post emocionada. Gabriela, vc tem uma forma linda e leve de escrever, adoro absolutamente tudo q vc escreve!

  7. Nossa Gaby, chorei lendo teu texto. Me emocionei muito é super concordo contigo. Eu não sou 100% satisfeita, mas sabemos que a saúde funciona. No meu parto eu fui extremamente feliz, respeitada e ouvida. Isso mudou a minha maneira de pensar. Confesso que às vezes fico bem irritada com algumas coisas, mas no fim das contas o saldo é bem positivo. Um beijo grande no teu ❤️

  8. Que texto lindo Gabi, feliz demais por você ter tido uma experiência muito melhor na segunda gestação. Humanização na saúde é essencial.

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