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Sobre não viver em um conto de fadas

Sempre reflito muito sobre a mensagem que quero passar para quem me lê, especialmente aqueles que tem o sonho de morar no Canadá e se baseiam na minha história, achando que tudo deu certo facilmente e que eu vivo dentro de um conto de fadas com 4 estações lindas, um emprego perfeito e que consegui alcançar tudo na minha vida antes dos 40 anos. O texto de hoje traz uma reflexão sobre essa idéia errada que as pessoas acabam tendo não só daminha vida mas da de outras pessoas que moram fora e, mais do que isso, explora o que eu realmente quero passar para vocês através do meu “hobby” de escrever no blog e compartilhar minha vida nas redes sociais.

“Que vida perfeita! E que sorte a sua de ter tudo que você sempre sonhou assim tão novinha”.

Essa foi a mensagem que recebi essa semana. Mas confesso que não é a única que já recebi neste contexto. Eu entendo que o Canadá tem uma reputação incrível no mundo como um país com uma das melhores qualidades de vida e que tem um programa de imigração mais acessível (há controvérsias) que outros países, despertando o interesse de pessoas que querem sair do Brasil por diversos motivos. Ao longo destes 10 anos de Canadá – e de blog – eu conheci muitas pessoas, li muitas mensagens e entendi que o Canadá é desejado por muitos. Mas isso não faz as pessoas que estão aqui terem uma vida perfeita e serem as mais sortudas do mundo. Isso não faz sentido – e eu sei que muitas pessoas que moram aqui também vão concordar com a minha afirmação.

A minha vida não é perfeita, mas eu prefiro focar naquilo de bom que ela tem: nos filhos que eu sempre sonhei e tem saúde, na minha saúde, na pessoa ao meu lado que me apoia em tudo, no emprego que eu consegui (não por sorte mas por muito esforço, muito mesmo) e em tudo que eu conquistei (amigos, admiração, respeito). Eu não me apego ao que não alcancei: eu uso isso para correr atrás do que eu quero. Ser positiva não quer dizer que tenho uma vida perfeita. Minha vida não é perfeita. A vida do imigrante nunca será perfeita. Sempre vai faltar um pedaço do coração que ficou no Brasil. A gente aprende a viver longe da família, a gente aprende a dormir menos para trabalhar muito e tentar se destacar em um espaço tão competitivo sendo imigrante, a gente vive sem glamour, a casa está sempre bagunçada, mas a gente vive bem. Muito bem.

Acho que temos que parar de associar viver fora do Brasil com viver em um conto de fadas. Sinceramente não tem conexão e muitas vezes é o oposto inclusive. Aqui a gente trabalha muito, não tem o apoio da família, não tem a diarista que limpa nossa casa, não faz a unha toda semana, tira a linda neve com a pá todo dia porque teria que pagar $400 para uma empresa fazer ou levar multa, se questiona várias vezes se fez a escolha certa e busca entender e se adaptar à cultura que não somos acostumados.

Quando eu optei por compartilhar um pouco da minha vida com vocês eu não quis entrar em nenhuma competição e acho que o foco não é esse. Eu mostro a minha vida para inspirar vocês, mas quero deixar claro que morar no Canadá não irá fazer seus problemas desaparecerem de uma hora para outra. Inclusive, outros problemas surgirão. O que eu peço é que você acompanhe a minha história não achando que ela é perfeita ou um conto de fadas, mas real e possível. Não há perfeição: há esforço, muito trabalho e muita dedicação. Em tudo.

Diante da pandemia as pessoas acabaram refletindo muito e agradecendo pelo que têm comparado às pessoas que perderam um ente querido, o emprego, a vida. Eu acho que esta comparação pode ser algumas vezes injusta, até egoísta. Uma pena a gente ter que olhar para os problemas dos outros para ver o que temos de bom não é mesmo? Eu gosto de olhar para a minha própria trajetória e agradecer à Deus pelo que eu alcancei, refletindo naquilo que EU posso fazer melhor, não tentando alcançar o que os outros alcançaram. Quando você pensar que a outra pessoa tem uma vida perfeita tente parar o pensamento e olhar para a sua vida, agradecendo por tudo que você tem e pensando naquilo que você pode melhorar.

10 comentários em “Sobre não viver em um conto de fadas”

  1. Ola Gaby, belo texto! Muitas pessoas olham onde você está e acha que sempre esteve ai… mas quando você estava virando noites estudando, ou se esforcando muitissimo, as pessoas não acompanharam.. é mto fácil dizer que teve sorte!!! Você é uma pessoa é uma pessoa que se dedica muito ao que vai fazer, da pra ver isso, pois tudo que faz é bem feito, e fico incredula, pois dois baby, uma casa, job e um amor, é mta coisa!!! Rsrsrs Mas adoro te seguir, ja salvei muitos percusos onde foi que um dia quero visitar.. você é inspiradora!!! Grandes beijos

  2. Muito bom , igual a vc , todos dizem o mesmo em relação as minhas conquistas aqui , eu sempre tento redirecionar essas pessoas que sempre me pedem para mudarem para o Canadá a entenderem o que é ser um imigrante or recomeçar( or abandonar ) uma nova vida / profissão, família, amigos …. falo sempre dos 2 aspectos (positivo e negativo) porém o mais importante é saber o “Why “ que essa pessoa quer imigrar para aqui ?

  3. Sempre muito sensata e verdadeira. Pessoas julgam pelo recorte que veem e criam fantasias…pq né, a neve do vizinho é sempre mais branquinha ?. Parabéns pelo texto Gaby

  4. Hey Gaby, talvez o problema esteja no excesso de cobrança e crítica que o mundo despeja nos outros e no fato de não termos visão crítica sobre a felicidade, o ter ou não ter, e a necessidade de sermos aceitos. Também somos tão bombardeados com a ideia do Brasil como um lugar inferior que acreditamos piamente nisso e literalmente pagamos para ver. Mas por outro lado muitos problemas são resolvidos com boa condição financeira, emprego e outras coisas que nos mostram que valeu a pena estar aqui. Por mais que todos tenham problemas, as raízes sólidas por aqui ajudam muito. Por isso eu evitava ler você nos piores momentos, quando nada dava certo e tudo o que eu tinha era o caixa de Loblaws e a constante insegurança causada pela venda de bebida alcoólica… Você parecia ter tudo o que eu precisava e parecia que nunca alcançaria. Me sentia em meio a um país que só me dizia não para um emprego onde eu pudesse contribuir com meu real talento (e fui forçado a fazer um segundo doutorado), uma moradia adequada onde eu me sentisse feliz vivendo, as contas pagas, um lazer com as viagens que minha mulher pedia enquanto o trabalho de sobrevivência nos tomava tempo e não deixava dinheiro sobrando… tudo isso. Certas coisas se resolveram, outras não ainda… tudo tem seu tempo, mas ver alguém aparentemente estabilizado e tranquilo enquanto as feridas da luta diária estão abertas dói. Será que um dia estarei tranquilo assim? Será que poderei proporcionar à minha mulher as viagens que ela me pede? Será que conseguirei alcançar essa sensação de missão cumprida? Eu não queria ler você para não chorar, para não me deprimir, para não me desesperar. Hoje certas questões foram superadas, mas ainda há chão para eu poder olhar para o espelho e dizer: consegui contribuir para este país com as minhas habilidades e talentos. Valeu a pena! Ainda há muito o que fazer. Mas já consigo ler você sem ter vontade de chorar. Claro, você não tem culpa nenhuma. Cada um tem sua jornada por aqui, e ela é única.

  5. Oi Gaby!
    Eu descobri o seu blog em 2016, quando estava pesquisando assuntos sobre o Canadá, porque ia fazer um intercâmbio de um mês para Vancouver, e desde então venho te acompanhando por aqui, pelo Instagram e pelo Youtube.
    Amo seus textos, porque você sempre traz uma mensagem realista, com informações que realmente são importantes pra quem lê, mas esse texto em específico está perfeito! Acho que o maior problema é que muitas pessoas gastam tempo e se esforçam tentando fazer com que a vida delas seja igual a de outra pessoa. O problema é que essas pessoas não sabem realmente como é a vida do outro, e não entendem que não importa o que elas façam, as experiências de cada um são únicas, e é isso que dá graça a vida.

    Depois do meu intercâmbio voltei ao Brasil, concluí meu mestrado e retornei ao mercado de trabalho (por não ter encontrado oportunidades de atuação na área da pesquisa e por me sentir insegura dedicando a um doutorado sem bolsa). Desde que voltei sinto que não pertenço mais ao Brasil, sinto que parte do meu coração ficou aí. Meu sonho é poder imigrar para o Canadá, como muitos que te seguem, mas sempre procuro ser muito realista. Sei que se isso acontecer, terão muitos desafios e exigirá muita dedicação, e entendo também que essa sensação de total pertencimento não será alcançada no Canadá e em nenhum outro lugar no mundo, porque eu não sou mais a mesma, e porque eu não terei minha família e meus amigos por perto. Mesmo assim, sonhos são sonhos, e eu estou caminhando para alcançar o meu.

    Desculpa o texto gigante, mas já me sinto como sua amiga (rs) e queria te dizer pra ficar tranquila quanto a mensagem que você traz aqui pra gente. A meu ver é melhor ser assim otimista e ver as coisas boas. É de pessoas assim que o mundo está precisando. Te admiro muito, e me inspiro em você! Um beijo

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