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Como a maternidade revirou minha cabeça (e carreira) – por Bianca Bold

Quem me conhece sabe que sempre fui apaixonada por idiomas e comecei bem cedo a dar aulas de inglês, português e italiano para diferentes públicos e idades. Um belo dia, decidi mergulhar também no universo da tradução, o que resultou em quase 20 anos de carreira. Depois de ter sido praticamente uma workaholic por anos a fio, muito estudo, inclusive graduação e mestrado… de repente, o encanto meio que se desfez. O divisor de águas? A maternidade. Não foi uma mudança racional, planejada ou intencional. Até demorei a “aceitar” o que, no fundo, já estava claro. Depois de ter meu primeiro e único filho, o Victor, em 2015, meu rendimento/produtividade, minha atenção aos detalhes e capacidade de manter o foco por horas e horas, minha dedicação, meu desejo de passar dias na frente do computador e me entregar aos dicionários, às palavras e às pesquisas inacabáveis… despencaram vertiginosamente.

Um início turbulento

Eu não tirei licença maternidade por questões burocráticas da vida de freelancer no Canadá. Tentei dar o melhor de mim, apesar de ter reduzido a minha disponibilidade geral, por motivos óbvios. Mas vieram as vacas magras – por mais que eu tentasse conseguir novos clientes e continuar atendendo aos clientes antigos.

Até hoje não sei bem a hipótese mais plausível para a redução drástica no volume de pedidos de tradução que chegava na minha caixa de entrada no ano em que me tornei mãe e no ano seguinte: (1) a crise, de uma forma geral, resultou numa queda de volume de projetos entre outros tradutores que conheço, igualmente capacitados (apesar de alguns não terem sido afetados); (2) meus clientes simplesmente decidiram diminuir os pedidos que me enviavam, talvez com o intuito implícito de “me deixar descansar/curtir o bebê”, mesmo eu tendo explicado que estaria disponível para o que não fosse urgente; (3) o universo resolveu me dar um empurrãozinho, me tirar da zona de conforto e me fazer pensar em outras possibilidades; (4) todas as alternativas acima… Acho que nunca saberei!

O que eu sei é que não foram tempos fáceis, não só em relação ao bolso, mas também, e principalmente, ao lado emocional. A sensação de fracasso, de dúvidas, de incapacidade de cuidar da própria vida, de falta de liberdade (que eu praticamente conquistei aos 17 anos), de impotência resumem aqueles meses complicados. E teve, ainda, a depressão pós-parto, que chegou de fininho, e até hoje não sei se se estabeleceu antes ou depois dessa reviravolta na carreira. As lembranças que tenho são todas bem confusas, um emaranhado de sensações, pensamentos, emoções, tudo regado a noites mal dormidas, um bebê agitado e cheio de cólica, sem minha família por perto, com dificuldades na amamentação, horas passadas em terapias e grupos de apoio, os hormônios atacadíssimos, e outras coisitas mais.

Enfim, meus níveis de estresse estavam me sufocando. Um dos principais motivos: quase todos os projetos de tradução são urgentes, o que requer que muitos tradutores vivam em função dos clientes e estejam dispostos a trabalhar em horários não convencionais. Era esse o meu caso, e antes da maternidade, essa “flexibilidade” de horários não me incomodava. No entanto, quando se tem um recém-nascido em casa, é como seu o “seu tempo”, a sua flexibilidade no dia a dia, deixasse de existir. A vontade de correr para o computador às 10 ou 11 da noite para resolver pepino de cliente era praticamente zero. Ou de passar um sábado ou feriado de verão enfurnada dentro de casa, sabendo que a família estaria curtindo ao ar livre. Eu estava num círculo vicioso: os clientes me mandavam poucos projetos, meu rendimento estava baixíssimo, minha renda tinha despencado e, portanto, eu me sentia na obrigação de aceitar o que surgisse, mesmo com os prazos mais bizarros, para contribuir, o mínimo que fosse, no pagamento das contas. Com poucas horas de sono, falta de atenção/foco, falta de tesão mesmo… era só estresse em cima de estresse. Não gosto nem de lembrar.

Um hobbie que virou profissão

Em meio a essa bagunça física, financeira e emocional, percebi que eu precisava de um tempo para mim, para fazer o que eu sempre amei de paixão e fugir um pouco da rotina louca de mãe: voltei a dançar. Não tinha noite mal dormida que me impedisse de dançar. Eu conseguia encontrar energia lá no fundo, pois dançar era (é e sempre foi) a minha melhor terapia. Chega a ser meditativo.

Bom, eu consegui juntar uns conhecidos que curtiam dança de salão brasileira e formamos um grupo de prática informal… a ideia evoluiu e ganhou uma nova dimensão: hoje é a escola de dança Baila Toronto. Participei muito e amei estar envolvida no projeto, dei muita aula de forró, mas, no fim das contas, trabalhar com adultos fica impraticável para mim por conta dos horários. Eu queria mesmo uma atividade que envolvesse dança e fosse durante o dia, durante a semana. Foi aí que surgiu a oportunidade de tirar minha licença para ensinar Zumbini, pouco mais de um ano atrás. Eu não pensei duas vezes. Mergulhei de cabeça e não me arrependo. Era realmente o que eu precisava: me dedicar a coisas novas, me voltar para a música, a dança, viver rodeada de crianças e da alegria que elas esbanjam. Ainda tenho muito o que conquistar neste novo nicho, mas é gostoso ver as sementinhas que plantei germinando.

Zumbini é o programa criado pela Zumba com foco na musicalização infantil, com muita dança e composições exclusivas, sempre com aquele temperinho latino típico. Por ser um programa relativamente novo, muitos ainda não conhecem. Eu sou a primeira instrutora realmente ativa em Toronto e quem oferece mais aulas no momento. Zumbini é ideal para bebês e crianças de 0 a 4 anos. A participação de um pai ou responsável é essencial, pois os pequenos usam muito o adulto como modelo antes de começarem a explorar por conta própria. Uma das principais frases de marketing da empresa é “Happy hour for you and you baby” – e, de fato, são 45 minutos de uma interação deliciosa entre pai, mãe, avó ou quem quer que esteja com a criança, pois dançamos, cantamos, brincamos com lenços coloridos, tocamos instrumentos, entre outras atividades lúdicas que estimulam o aprendizado e habilidades sociais, cognitivas, emocionais e motoras.

Eu gamei tanto no Zumbini que fiquei com pena de não existir nada parecido em português. Pensei principalmente no meu filho, com quase 2 anos na época e pouca interação com a língua portuguesa. E essa foi minha motivação ao criar meu próprio programa para famílias lusófonas, que chamei de Dance & Learn Portuguese. Assim como no Zumbini, eu e as famílias dançamos, cantamos e brincamos… mas, em vez de explorar instrumentos musicais, o foco é na exposição ao português e à cultura brasileira. As atividades e a frequência das aulas ajudam nossos brasileirinhos a manter contato com sua língua de herança. É ideal para pequenos de até 5 anos, e a participação de um pai ou responsável também é crucial.

Uns meses depois, eu queria incluir mais música, mais dança e até mais diversidade no meu dia a dia – fiz os treinamentos para ensinar Zumba Kids e Zumba Fitness.

Zumba Kids é a opção perfeita para quem já está “velho” demais para Zumbini, ou seja, acima dos 4 anos. É um programa super divertido para os pequenos que já seguem instruções simples e sabem aproveitar uma aula na ausência de pai ou responsável. As crianças têm a chance de socializar enquanto curtem e dançam suas músicas favoritas, como numa festa. As aulas ajudam a desenvolver um estilo de vida saudável e a incorporar o bem-estar físico como parte natural da vida. Com coreografias apropriadas para a idade e várias brincadeiras, tudo com música e movimento, os participantes exploram aspectos como liderança, respeito, trabalho em equipe, autoconfiança, autoestima, memória, criatividade, coordenação motora, equilíbrio e consciência cultural e corporal. E, de quebra, gastam aquele excesso de energia que só eles têm!

Hoje já ensino em diversos locais todas as aulas que expliquei acima – e confesso que é duro responder quando me perguntam qual é a minha favorita! A única que ainda estou para lançar, agora em maio, é Zumba Fitness, que todo mundo já conhece. Para manter uma intersecção com minha clientela original, estou preparando as aulas com mamães de primeira viagem em mente. Eu lembro como curti dançar com meu filhote no canguru e o quanto me fazia bem! Nas aulas que vou lançar, as coreografias e os movimentos são de baixo impacto (até porque o meu joelho agradece!) e de baixa intensidade, para que as mamães possam participar com o bebê no canguru ou no bebê conforto. Mas também não pretendo restringir tanto o meu público – as coreografias são divertidas e fáceis de acompanhar (até para quem jura que tem dois pés esquerdos!) e, portanto, qualquer pessoa poderá se aventurar.

Ah, e antes que eu esqueça: não satisfeita só com as aulas, também comecei a oferecer animação de festas infantis no ano passado. Mas disso a Gaby já falou à vontade, pois tive o prazer de agitar a festa de 2 aninhos do Thomas. Além disso, neste sábado, 12 de maio, vou lançar um evento voltado para famílias brasileiras em Toronto, a Matinê Brasil Cultural, coproduzido com as meninas do Português Lúdico. Os ingressos já estão esgotados há algumas semanas (bom sinal!), mas temos uma lista de espera. Prometo voltar em breve com um apanhado geral, fotos do evento e, se der tudo certo, detalhes do próximo encontro! E pretendo lançar uma aula de Zumba Kids toda em português ainda este ano. As peças do quebra-cabeça estão se encaixando.

Enfim, o resumo da ópera

O universo conspirou, fechou umas tantas portas, me jogou no fundo do poço… mas eu tomei as rédeas, me reinveitei e, cada vez mais, a rotina de aulas (e preparação para essas aulas, o que requer muito tempo, dedicação e disciplina) vai tomando conta da minha agenda e conquistando mais a minha atenção, concentração e admiração. Foi ficando cada vez mais fácil decidir entre passar horas do meu dia dançando e me divertindo com uns pingos de gente (ou praticando/ensaiando em casa, sozinha) ou sentada traduzindo textos no computador. Ainda traduzo, sim. Faço com gosto e prezo pela qualidade, claro, mas estou bem mais seletiva com relação às condições de trabalho que aceito, por dois motivos: faço questão de priorizar a família em noites e fins de semana e também porque preciso colocar a minha saúde física e mental acima de tudo. Trabalhar com dança e com crianças me propicia tudo isso. Hoje eu praticamente durmo agarradinha com meu filhote por volta das 9 da noite – exausta, dada a rotina puxada de aulas/práticas e do próprio Victor – e poucas são as vezes que aceito traduções que mexem com essa rotina. E, quando aceito, como o corpo reclama! As vacas continuam esbeltas, mas a sensação de estar me dedicando a algo que faz bem a mim e aos outros… ah, é indescritível. O meu filho agradece, e ele merece ter uma mãe sã e cheia de energia e amor para dar.

Texto por Bianca Bold.
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Créditos das fotos que ilustram o post: Yasmin Parodi.

6 comentários em “Como a maternidade revirou minha cabeça (e carreira) – por Bianca Bold”

  1. Amei o texto Gabi e Bianca. Realmente quando se tem filhos a nossa vida muda 360 graus e a gente tem que se adaptar em todos os aspectos. Vi muito de mim no que a Bianca escreveu.

    1. Obrigada, Amanda! 🙂 É um turbilhão de mudanças mesmo… e se adaptar faz parte! Algumas coisas a gente tira de letra, mas outras levam mais tempo até a gente se encontrar, né?

  2. Não tinha idéia que existia programas assim em Toronto. Dá um certo alivio porque eu quero que meus filhos tenham sim contato com a cultura do Brasil e da terra dos seus pais. Muito bom o texto e vou olhar os projetos apresentados. Obrigado,

    1. Pois é, Rosangela! São poucas as opções mesmo em Toronto. Eu no momento tenho duas turmas, mas pretendo ir abrindo mais, conforme a demanda. 😉

      Quantos anos têm seus filhos?

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  3. Que texto incrível! Que experiência de vida maravilhosa!
    Eu ainda não sou mãe, mas estou começando a sentir a necessidade de uma virada assim na minha vida, de encontrar algo que realmente desperte a minha paixão.
    Muito obrigada por compartilhar a tua história.

    Sucesso!!

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