Eu não falo muito sobre meu trabalho aqui no blog porque gosto de manter essa parte separada do que faço aqui no blog, já que acho que isso é o mais ético diante da área que trabalho (pesquisa científica). Tanto se fala e se estuda sobre ética e privacidade em pesquisa e eu, como cientista, não poderia ser a pessoa que viria contar detalhes do que eu faço, onde trabalho e projetos que coordeno. Mas hoje vou abrir uma exceção e contar um detalhe da minha ética de trabalho nessa quarentena, que achei sensato compartilhar.
Toda sexta-feira à noite eu mando um email para meu chefe com um resumo de tudo que eu produzi durante a semana. Essa atividade partiu de mim e não dele: senti a necessidade de mostrar para ele minha produtividade já que sabia que ficaria muitas semanas em casa. Fiz um template e completo com informações como os artigos submetidos, o que fiz com cada aluno que supervisiono, os projetos que coordeno, os projetos que faço parte e coloco alguns comentários pessoas sobre o que tenho sentido e algo que tenha acontecido naquela semana. No topo desse documento eu escrevo: “Weekly Progress Report” e coloco a semana que estamos. Todos os documentos ficam em uma pasta que nomeei “COVID-19”. E nessa semana eu enviei o oitavo documento para meu chefe… e foi ai que me dei conta que já estamos 8 semanas em casa.
E logo depois de enviar esse arquivo eu senti necessidade de escrever um texto no blog para fazer um pouco sobre essas semanas. E muito mais do que fatos eu quero falar de sentimentos e daquilo que passa na minha cabeça quando penso que estamos 8 semanas em casa, sem conviver com colegas de trabalho, sem nossos filhos irem para a escola e sem termos a vida social e cultural que tanto amamos em Toronto. Eu escrevi um post aqui no blog – esse aqui – sobre a primeira semana em casa, e confesso que quando escrevi eu pensava que queria deixar este relato aqui no blog para quando “maio” chegasse e tudo se normalizasse eu pudesse ler e refletir sobre o assunto. Mas maio chegou… e ainda continuamos em casa.
Já passei por diversas fases nessas 8 semanas em casa. Primeiro tive a fase de não acreditar e achar que era mais uma medida preventiva do que algo muito grave. Eu chamo essa fase de negação. Depois veio o medo, muito medo. Medo de ficar doente, medo do emprego, medo do futuro. Depois veio a parte de agradecimento: quando as coisas pioraram e eu vi pessoas ficarem doentes e perderem o emprego eu me senti tão abençoada por estar em casa bem e segura. E agora eu digo que estou na fase de normalidade, onde eu já me adaptei a “nova rotina” e sigo meus dias sem pensar muito no que estamos vivendo. Claro que leio as notícias, claro que continuo com medo e também agradecida, mas os pensamentos que antes vinham mais frequentes hoje não são tão comuns.
Estabelecemos uma rotina que funcionou para a gente, desde o começo disso tudo. Eu e meu marido continuamos trabalhando full-time. Pela manhã eu fico com os meninos e o marido trabalha. Ai almoçamos juntos (eu faço o almoço) e eu subo para trabalhar. Trabalho a tarde toda e meu marido fica com os meninos. Depois vem a hora do jantar (marido que prepara) e ficamos juntos à noite até os meninos irem para cama, o que acontece por volta das 7:30pm. E ai depois deles dormirem eu e o marido voltamos a trabalhar e produzir muito e seguimos até a madrugada. Isso todos os dias.
Não foco na limpeza – faxina e lavar a roupa só acontece nos finais de semana – e eu não interfiro no que meu marido vai fazer com os meninos. Cada um tem um período do dia com eles e faz as atividades que quiser. Eu faço 30 minutos de matemática com Thomas todos os dias, falo no Facetime com meus pais, determino uma atividade (massinha, pintura, desenho) e Thomas ainda faz alguma tarefa que o professor manda (pelo menos 30 minutos mais). As manhãs passam muito rápido. Eu não olho emails, mas às vezes preciso participar de uma reunião e ai me planejo para conseguir fazer. Muitas pessoas do meu trabalho estão na mesma situação (i.e. trabalhando de casa com crianças) e todos entendem. E, mais importante, os meninos entendem.
Eu consegui organizar meus dias de uma maneira natural, sem schedules de atividades com crianças que circularam no instagram no início disso tudo. Nem sempre tivemos essa ordem de atividades que citei no parágrafo anterior. No começo fomos testando e vendo o que dava certo ou errado. Eu sabia que no começa não seria fácil, mas dentro da nossa desorganização e falta de rotina encontramos um novo normal para convivermos bem e darmos tranquilidade para os meninos. Acho que isso é o mais importante e acho que isso me deixou forte, mais uma vez. Saber que com calma e amor conseguimos fazer tudo e que está tudo bem se as coisas não sairem como planejamos, contando que estejamos em casa e com saúde.
O momento mais difícil desses 2 meses em casa foi a falta de Jojoe (ele já partiu faz 6 meses) e imaginar a alegria que ele estaria de estarmos em casa com ele, todos os dias. Não tem um dia que eu não pense no meu peludo e meu coração não doa de saudade.
Eu me apego muito a esse fato. Sempre penso que eu fiquei 2 meses sem poder sair de um hospital e sem conviver muito com meu filho e meu cachorro, então sinto que a situação que estou vivendo é sim, muito confortável. Estou em casa, estou com saúde, estou bem. Seria mentira se falasse que não sinto tristeza por saber que o tão aguardado verão não será o mesmo: os dias quentes são tensos e quando checamos a temperatura e vemos os finais de tarde de sol, céu azul e calor eu fico ansiosa. Ansiosa para sair, passear no lago, correr na rua com os meninos… mas ai tudo passa e voltamos a “nova realidade” que nos foi imposta.
Dois meses se passaram. O frio foi embora (tirando hoje que nevou!) e a cidade já está verde (e esse é o motivo da foto em destaque). Mas muito mais do que o clima e a paisagem mudou nesse tempo. Dois meses depois eu me sinto centrada e com uma nova rotina que nutre as minhas necessidades como mãe e trabalhadora full-time. Continuo com um pouco de apreensão sobre tudo que está acontecendo, quanto tempo ainda continuaremos em casa, o que vai acontecer quando pudermos voltar, qual o impacto que isso terá na economia, qual o impacto que isso terá na vida em sociedade e, principalmente, qual o impacto que isso terá na vida dos meus filhos. Eu cada um desses 60 dias em casa eu rezei, agradeci e vivi dentro dos meus limites. E continuo: rezando, agradecendo e vivendo cada dia, um de cada vez.
Excelente reflexão Gaby. Eu só consegui entrar numa rotina na semana 6, finalmente mais confortável (dentro do possível) em ter que assumir tudo de dentro de casa. Bjao