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Não acredite em tudo que você lê, por mais científico que pareça

É difícil descrever pesquisa científica de uma maneira geral, não só por ser uma atividade realmente complexa mas porque varia muito em função da área, do país que está sendo feito e do grupo de pesquisa envolvido. Eu poderia dizer que uma pesquisa científica envolve (mas não restrito a ) revisar a literatura prévia na área para entender o que precisa ser estudado, desenhar o melhor método para aquele cenário e população, submeter o projeto à comissão de revisão de ética em pesquisa, recrutar sujeitos para a pesquisa, coletar os resultados, fazer a análise estatística, interpretar e discutir os resultados e trabalhar com knowledge translation (processo para divulgar os resultados da sua pesquisa, informar stakeholders e realmente mudar polícias e procedimentos). Fazer pesquisa não envolve somente escrever um artigo científico, mas para muito esta é a etapa mais conhecida do processo. Vale falar que depois de escrever o artigo científico você o submete a um scientific journal e precisa esperar pela revisão, o que leva alguns meses.

Portanto, pesquisa científica é um processo longo, cheio de etapas e regras, que envolve muitas pessoas e grupos.

Quando a pandemia chegou muitos projetos de pesquisa tiveram que ser mudados e alguns cancelados diante das restrições impostas. E com isso muitos pesquisadores acabaram ficando em casa e escreveram muitos artigos científicos. O número de publicações científicas aumentou consideravelmente (em todas as áreas mas, principalmente, artigos relacionados ao COVID). Em agosto de 2021 mais de 200 mil artigos relacionadas ao COVID foram publicados.

É difícil dizer o tempo que uma pesquisa científica leva para ser finalizada, e mais ainda para que seus resultados sejam publicados. O que posso dizer é que este é um processo longo. Durante a pandemia ocorreu uma transformação – ou seria encurtamento – neste processo de publicação dos resultados das pesquisas. A necessidade de informações sobre esta nova doença fez com que muitos artigos relacionados ao COVID fossem publicados diretamente em preprints e isso trouxe muita confusão.

Preprint é quando um artigo científico é publicado online mas não passou por peer review (ou revisão de pares). Peer review é um sistema de validação da produção científica, onde profissionais da mesma área irão revisar seu artigo (muitas vezes sem saber que é seu) e irão dar sugestões que irão melhorar seu estudo ou rejeitá-lo, mostrando os problemas e falando que ele não é apto a ser publicado em uma revista científica. O processo de peer review avalia a validade, qualidade e originalidade do artigo científico. Talvez se você não esteja na área científica seja difícil de entender mas este é um processo super importante na evolução da ciência.

O valor dos preprints é claro e eu não posso desmerecer isso, especialmente durante uma pandemia que impactou e impacta o mundo. Publicar os resultados das pesquisas assim que elas saíram – e enquanto a revisão em pares é aguardada – ajudou muitos outros grupos de pesquisadores a entender o que estava sendo descoberto no mundo e como estas descobertas poderiam ajudar a sua pesquisa.

Porém, o alto interesse no assunto do público geral – que não entende a diferença entre um artigo científico publicado em uma revista científica série com processo de revisão de pares e uma publicação sem revisão em sites de preprints – fez com que esses artigos fossem tomados como verdade. O aumento dos preprints e esse fácil acesso permitiu que conclusões sem suporte científico fossem utilizados por muitos.

Eu perdi a conta do número de preprints que eu recebi de pessoas questionando o meu posicionamento durante a pandemia, a vacinação do meu filho e o fato de eu não acreditar que as drogas x ou y funcionam. Eu resolvi escrever este texto para tentar esclarecer que nem todo artigo científico é válido, porque nem todos são revisados e publicados em revistas científicas com a revisão em pares que eu citei. Estamos diante de uma pandemia (i.e. disseminação mundial de uma nova doença), que tem restringindo a nossa vida de muitas maneiras. Eu tenho certeza que se você entrar hoje na internet irá encontrar textos com justificativa para tudo que você quiser. A questão é saber não somente a fonte dessa informação, mas qual o processo que essa fonte possui para divulgar suas informações.

Não acredite em tudo que você lê, por mais científico que pareça.

7 comentários em “Não acredite em tudo que você lê, por mais científico que pareça”

  1. É certo afirmar também que qualquer pesquisa científica pode ser comprada hoje em dia, e que para piorar toda essa situação, médicos, pesquisadores, cientistas e muitos outros são privados de dar sua opinião caso seja contrário a vacina hoje em dia? No seu caso, você não tem nada contra a vacina e nós sabemos disso, porém, se você tivesse, você estaria em liberdade de expressar isso na Internet assim como você faz a favor da vacina? Pergunto isso pois sabemos que em ontario pessoas relacionadas à saúde são proibidas de expressar dados ou até mesmo opiniões contrárias à vacina por exemplo. E as que fizeram, em grande parte perderam seus empregos ou foram afastadas por tempo indeterminado. Meu medo em tudo isso, é que nunca na minha vida presenciei algo tão forçado e regulamentado dessa forma, isso é o que mais me assusta, não poder nem ver o outro lado da história e tirar minhas próprias conclusões porque o governo não permite. Aí é que se iniciam as teorias da conspiração e etc…

    1. Respondendo a sua pergunta, este espaço é meu aqui na internet e eu falo minha opinião sincera sobre o assunto. Se não achasse certo eu iria falar. As pessoas que não se vacinaram na rede de hospitais que eu trabalho perderam sim o emprego, cerca de 2% do total dos trabalhadores. Eu não trabalho na atenção primária de saúde mas todos que trabalham diretamente em hospitais com emergência estavam indignados com as pessoas não vacinadas… eu apenas não entendo – e este foi o objetivo do meu texto – como as justificativas para tantas comportamentos não tem embasamento teórico em um momento que temos que acreditar na ciência para acabarmos com essa situação.
      O outro lado da história, na minha opinião, foi visto através de pesquisas.

  2. Estamos vivendo em um tempo em que muitas pessoas acham que sabem de tudo: direito, medicina, ciência, política… Já que o acesso de conteúdo é muito fácil. É óbvio, na internet você encontra fundamento para tudo quanto é teoria, o problema é não saber distinguir as coisas. Tá difícil viver em sociedade, com tantos sabe-tudo (formados pela Google, PHD em leitura de manchete) ?

  3. Dizer que os profissionais de saúde não são cientistas é a mesma coisa que dizer que todo Canadense é frio. Isso é generalizar e errado. Profissionais de saúde pode sim ser cientistas, fazer pesquisa, peer review, e publicar artigos. Aliás, muito das inovações no campo da saúde partem de profissionais da saúde.

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