Quinta-feira (dia 12 de março) eu fui para o trabalho cedinho porque todas as quintas temos 45 minutos de sessão educativa e é uma ótima oportunidade de ouvir sobre diferentes temas e me atualizar. Eu não perco por nada! Sai cedinho e cheguei no trabalho 8:30am. Já chegando na minha sala ouvi que não iríamos ter uma sessão sobre medicamentos para doentes cardíacos e sim sobre o COVID-19. Eu achei ótimo a mudança porque já vínhamos recebendo muitos emails do hospital sobre o assunto mas nada muito concreto (e, confesso, nada muito preocupante). Mas teríamos a oportunidade de ouvir e fazer perguntas. A palestra sobre medicamentos poderia ficar “para a próxima semana”.
Tivemos a sessão informativa e senti todos muito confiantes. Eu fiquei confiante. Muitas ali haviam passado pelo outbreak do SARS em 2003 (leia aqui) e o hospital que trabalho tinha ficado fechado por 2 semanas. O SARS tinha afetado “somente” 26 países e o COVID-19 já estava se alastrando mais rapidamente, mas a doença atual é considerada menos letal e todos os protocolos e mudanças propostas pareciam muito surreais e distantes. Voltei então para minha sala, trabalhei, e ao meio-dia fomos novamente chamados para mais uma palestra sobre o assunto. Desta vez fomos novamente educado sobre máscaras, protetores de olhos e vários cuidados caso o problema chegasse até nós. Novamente, algo distante.
Passei a tarde sendo bem produtiva. Trabalhei até 4pm e lembro de ter marcado várias reuniões para a semana seguinte e deixado vários documentos encima da mesa para a próxima semana. Eu trabalho de casa nas sextas, mas na segunda estaria no hospital para trabalhar em todos eles. Eu quase nunca trago documentos importantes porque os meninos costumam mexer na minha bolsa e escrever em todos meus papéis, então trago poucos papéis para casa.
Meu trajeto de carro do trabalho para casa demora em torno de 45 minutos. Enquanto eu faço esse trajeto eu ouço muita música, troco áudios de whatsapp e falo com amigos e família. No meio do meu trajeto eu recebo uma ligação do meu marido: “as escolas vão fechar 2 semanas após o March Break”. Na hora eu só pensei que “teria uma semana – a do March Break, onde Thomas estava cheio de atividades – para me organizar e trabalhar de casa”. Cheguei para pegar Thomas na escola e fui entrevistada pela CBC (quem ai viu?) e a repórter me perguntou o que eu achava da medida. na hora eu respondi que minha opinião era dividida: achava que seria sim bom para diminuir a propagação da doença mas ao mesmo tempo podia ser algo muito rígido que iria interferir na vida dos pais trabalhadores. Hoje eu sei que foi a melhor decisão.
Depois fui pegar o Ian na creche. E lá todos falaram que a creche iria ficar aberta e que o decreto era apenas para as escolas públicas. Viemos para casa, jantamos e começamos a ler as notícias. Ai eu parei e comecei a pesquisar sobre o assunto em fontes confiáveis, tentar entender o que aconteceu em outras pandemias na história e a ficha caiu. A ficha caiu que “that’s it” ou “estava acontecendo”. Naquele mesmo dia – quinta à noite – recebemos um email da escola do Thomas que alguém havia visitado o local e tinha testado positivo para o COVID-19 mas que “não havia tido contato com alunos, professores e trabalhadores da escola”, provavelmente alguém que vai fazer limpeza e cuidar da escola depois do horário que vamos embora. Mesmo assim fiquei apreensiva: o vírus estava bem perto da gente.
Vale citar aqui que na quinta-feira mesmo eu postei aqui no blog o primeiro texto sobre o coronavírus – este aqui. Eu comecei a ver meus amigos do Brasil em festas e encontros nas redes sociais e, ao mesmo tempo, pessoas aqui em Toronto também. Eu não poderia me posicionar e dizer o que sentia – pois sou muito criticada nas redes sociais e isso não me faz bem. Eu achei prudente listar vários sites sobre o vírus, para as pessoas se informarem e, através disso, entenderem a doença e tomarem suas decisões – viajar ou não? ficar em casa ou não? estocar comida ou não? encontrar os amigos ou não? Na primeira hora de publicação o post foi acessado por 1477 pessoas e hoje passa de 7000 acessos. Com isso notei que sim, as pessoas também estavam buscando informações.
Sexta-feira (13 de março) foi um dia tenso. Ian foi para a creche. Thomas foi para a escola. Eu precisava trabalhar diante das 3 semanas que o Thomas ficaria sem aula. Durante o dia o governo federal do Canadá alertou contra todas as viagens internacionais e limitou os vôos de entrada. O diretor de saúde pública do Canadá pediu aos canadenses que adiassem ou cancelassem todas as viagens não essenciais fora do país. Mesmo assim várias pessoas estavam viajando por conta do March Break. Peguei os meninos bem cedo na escola e viemos para casa. Aproveitei para desmarcar todos os eventos e passeios que iríamos fazer no próximo mês por causa do blog. Esperei meu chefe mandar um email falando sobre trabalharmos de casa. Ele não mandou e eu tomei a iniciativa. Criei um “action plan” e “deliverables” que eu estaria fazendo a cada semana e pedi para pausar uma pesquisa que estava fazendo em um hospital na GTA. Ele concordou e eu respirei aliviada.
Sábado (14 de março) ficamos o dia todo em casa. É difícil um sábado que ficamos em casa porque gostamos de almoçar fora e passear. Mas foi um dia bom, de descanso e organização. Passou rápido. Domingo (15 de março) estava um dia lindo de sol e céu azul. Resolvemos sair de carro com os meninos para ver aviões ao redor do aeroporto Pearson. Depois passamos de carro pela Lakeshore e High Park. Achei todos os locais bem cheios. Não esperava isso. Fiquei nervosa. Nesse dia o primeiro ministro informou que todas as pessoas que voltassem de vôos internacionais deveriam se isolar em casa por 14 dias.
Segunda (16 de março) foi o primeiro dia de trabalho com as crianças em casa. Eu e o meu marido sentamos com nossas agendas abertas e tentamos encontrar horários onde nós dois pudéssemos trabalhar e ao mesmo tempo as crianças tivessem atenção. Foi acordado que ele trabalharia de manhã (8am-12pm) e eu trabalharia à tarde (1pm-5pm). O restante de horas seriam trabalhadas à noite. Nosso filhos dormem super cedo (7:30pm no máximo já estão dormindo profundamente) e sempre conseguimos ser produtivos nas noites e madrugadas. Já somos acostumados a isso. Somos – os dois – muito focados no nosso objetivo e sucesso profissional e sabemos que isso vem com muito trabalho. Não ficamos de bobeira assistindo TV: nós trabalhamos muito! Mas, claro, também curtimos muito um ao outro.
Segunda (17 de março) foi um dia muito bom e deu tudo certo: consegui fazer tudo que eu queria e senti que a semana seria sim muito boa. E foi! Passar mais horas com as crianças, poder trabalhar de pijama em casa, não pegar trânsito, poder ficar na cama um pouco com todos os meus meninos (sem sair que nem uma louca de manhã para chegar no horário no trabalho), almoçar em casa e poder cozinhar para eles, brincar com todos os brinquedos, ensinar, ver a evolução deles a cada dia de pertinho… eu poderia citar aqui muitos e muitos dos motivos que me fazem estar feliz e bem em casa. Não tive uma semana estressante e olha que eu não sai na rua. Nem eu e nem os meninos. Juliano foi levar o lixo e só.
A felicidade que eu sinto vem acompanha de medo. Um medo que foi revelado para vocês neste post aqui e gerou muita polêmica. Fui questionada por muitos sobre minha “influência” nas redes sociais e meu papel como disseminadora de informação. Admitir que eu tenho medo nessa situação teve um simples objetivo: mostrar para vocês que a situação não é simples e que o impacto de tudo isso vai muito além de “pegar a doença”: vai influenciar na economia, qualidade de vida e segurança de todos. E, ao mesmo tempo, eu admitir esse medo foi uma maneira de eu mostrar para vocês que, sim, está tudo bem sentir isso. Você não está sozinho. E que dá sim para levar “um dia de cada vez”, com medo mas com muito amor e felicidade por tudo de bom que a vida nos traz.
Como falei anteriormente ficamos em casa sem sair durante toda a semana. Muitas pessoas me questionaram e falaram que as crianças precisam tomar um ar puro e mudar os ares. Eu concordo. E mais, as crianças e os adultos precisam disso. Mas eu e meu marido estamos trabalhando full-time com duas crianças em casa. Até a meia-noite. Não estamos de férias e, pelo contrário, estamos exaustos. Moro em um lugar movimentado e sempre no final do dia vejo vizinhos na rua. Não deu para ir “na frente de casa”. Não deu para “encontrar um parque sem ninguém”. Não deu para “passear de carro”. E tudo bem. Tivemos uma semana feliz, juntos e todos com saúde. É isso que precisamos no momento.
Durante essa semana eu fui produtiva mas não consegui me concentrar como gostaria. Todos os dias ouvindo notícias diferentes – Ontario decretou estado de emergência, restaurantes e bares fechando, fronteiras sendo fechadas entre Canadá e USA, Canadá restringindo a entrada de não residentes – eu comecei a entender que a situação não iria acabar tão cedo e que o impacto maior não seria somente comigo, mas com as minorias e os mais necessidades. Eu comecei a pesquisar e buscar maneiras de ajudar. E uma das maneiras foi não me esconder e não esconder o que estava acontecendo por aqui. Utilizar meu papel nas mídias sociais para informar sem sugerir, para ajudar sem opinar, para inspirar sem causar pânico. E todos os dias eu postei algo sobre o que estava acontecendo e até fiz até uma live com a maravilhosa Laura Peruchi que mora em New York. E pretendo fazer isso de forma sensata, coerente e feliz.
Por fim, quero falar sobre as atividades dos meninos e como conseguimos “sobreviver” com duas crianças super ativas em casa nessa semana. Eu decidi não fazer cronograma de atividades e horários rígidos para eles. Eles ainda não muito novos – 1 e 4 anos – e o que eles querem é brincar e se divertir. Claro que temos horário para as refeições, banho e dormir, mas fora isso eles escolhem o que querem fazer. Eu sugiro atividades e eles me dizem se estão interessados ou não. Como disse anteriormente eu sinto muito feliz – e privilegiada – de poder estar passando esse tempo com eles. E eu sinto que depois de 7 dias juntinhos os dois estão muito mais próximos e criando realmente uma profunda relação de irmãos. Ian já evoluiu tanto e está falando muitas palavras e estamos tendo tempo para conversar mais com o Thomas e saber tudo que ele aprendeu na escola nos últimos meses. Estou descobrindo fatos e gostos dos meus filhos que passavam desapercebidos na correria que a nossa vida é, e esse momento está sendo muito bom para nós.
Essa foi a primeira semana em isolamento que, por enquanto é voluntário mas, diante da falta de engajamento das pessoas, pode se tornar mandatório em breve. Não sei quantas semanas ficaremos assim. Não sei se pensarei desta maneira positiva durante todas as semana. Não sei se os meninos conseguirão curtir tanto a estadia em casa e seus brinquedos se tiverem que ficar muitas semanas em casa. No momento eu não sei de muita coisa mas, eu tenho uma certeza: isso vai passar. E, quer saber? Sairemos mais forte disso, como sociedade, como pais e como indivíduos.